No dia 25 de Maio celebramos o Dia Internacional da Tireoide. A data foi criada para alertar a população sobre os problemas de saúde provenientes de disfunções e alterações nessa glândula.  Esta glândula se apresenta também em cães e gatos, entretanto, com algumas características distintas das apresentadas em humanos.

A ABEV apresenta aqui o artigo especial do M.V. Mestre Prof. Fabrício Lorenzini, sócio-fundador e atual Vice-Presidente da Associação Brasileira de Endocrinologia Veterinária (ABEV).

 

Panorama da Glândula Tireoide de Cães e Gatos

 

HISTÓRICO E CURIOSIDADES

A palavra tireoide vem do grego. É uma junção dos termos thyreós (escudo) e oidés (forma de). O origem deste nome veio do fato da glândula ter uma forma semelhante à de um escudo.

Ocasionalmente, algumas pessoas se confundem quanto à forma correta de escrever o nome da glândula. A confusão ocorre entre “tireoide” e “tiroide”, entretanto, as duas nomenclaturas são aceitas, sendo a primeira mais usual.

A descoberta da tireoide ocorreu em 1656, por Thomas Warton, que realizava uma pesquisa sobre glândulas. Na época, ele acreditava que a função da tireoide era apenas estética, servindo simplesmente para modelar o pescoço.  Somente no século XIX, foi possível confirmar sua importância, com a descoberta da tiroxina.

Outra curiosidade sobre a glândula tireoide é que Leonardo Da Vinci foi quem desenhou pela primeira vez a glândula tireoide.

Em 1909, Emil Theodor Kocher, fisiologista alemão, conquistou o Prêmio Nobel de Medicina devido às descobertas sobre esta glândula.

 

CARACTERÍSTICAS E FUNÇÕES

A tireoide é uma glândula composta por dois lobos – direito e esquerdo conectados por uma estrutura denominada istmo. Ela fica localizada na parte anterior pescoço, logo abaixo da região conhecida como “Pomo de Adão” nos seres humanos. A tireoide é uma glândula que produz hormônios essenciais para o funcionamento do organismo em todas as etapas de nossas vidas. Afeta o desenvolvimento e crescimento na criança, o metabolismo corpóreo, a função de diversos órgãos e também a fertilidade em seres humanos. Seu perfeito estado de funcionamento é importante para garantir o equilíbrio e a harmonia do organismo.

 

By CFCF [CC BY-SA 3.0 (https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0)], from Wikimedia Commons

Ilustração da tireoide humana

Na espécie canina, a tireoide também é composta de dois lobos localizados nas superfícies laterais da traqueia. O lobo direito encontra-se um pouco acima do  esquerdo, muito próximo à superfície caudal da laringe, sem a presença do istmo para a conexão entre os lobos.

 

Fonte: Petful (former Pet Adviser)

Ilustração da tireoide de cães | Fonte: Petful

O tecido glandular é formado por um arranjo circular de células, chamado de folículo, responsável pela síntese dos hormônios tireoidianos conhecidos como T3 (triiodo tironina) e T4 (tiroxina). Para isto, a tireoide utiliza o iodo ingerido na dieta juntamente com aminoácidos chamados tirosinas para a produção dos hormônios tireoidianos.

A tireoide produz principalmente o T4 e este deve ser transformado dentro das células nos tecidos em T3, que é o hormônio considerado biologicamente ativo. O T3 vai se ligar a receptores no núcleo das células dos tecidos, estimulando o funcionamento das mesmas.

O hormônio tireoidiano age em praticamente todos os órgãos, estimulando várias funções, como se fosse um “combustível” para o corpo. O hormônio tireoidiano age no coração controlando a força de contração e batimentos cardíacos; no intestino controlando o peristaltismo, na pele regulando o crescimento do pelo, nos ossos, nos músculos, no tecido adiposo, na temperatura corporal. Também é extremamente importante para a formação do sistema nervoso central no feto, no neonato e para a integridade das funções cognitivas.

 

QUAIS OS PRINCIPAIS MOTIVOS PARA SURGIREM AS DOENÇAS DA GLÂNDULA TIREOIDE?

A tireoide pode sofrer alterações funcionais ou anatômicas. Quanto às alterações anatômicas, podemos detectar a presença de nódulos (bócio uninodular ou multinodular) ou o crescimento uniforme da glândula (bócio difuso). O bócio, chamado popularmente de “papo” nos seres humanos, significa qualquer aumento da tireoide, seja de forma difusa ou nodular. O bócio difuso pode ocorrer nas disfunções tireoidianas quando ocorre deficiência de iodo, também chamado de bócio endêmico, porém este é mais raro no Brasil devido à implementação do iodo no sal de cozinha e nas dietas industrializadas como as rações para os animais de companhia.

As doenças que mais frequentemente acometem a glândula tireoide podem fazer com que esta glândula deixe de produzir de forma adequada os seus hormônios (T3 e T4), geralmente por produção de anticorpos que vão promovendo alterações na estrutura e função glandular (diminuindo seu tamanho), desencadeando o chamado hipotireoidismo. Da mesma forma, a glândula tireoide pode aumentar de tamanho homogeneamente ou na forma de nódulos, que podem ser benignos ou malignos, com consequente produção excessiva de hormônios, desenvolvendo assim o chamado hipertireoidismo. Ambas situações trazem consequências negativas para o organismo. Estas disfunções são, na maioria dos casos, geneticamente herdadas e outros membros da família também são acometidos por estas disfunções.

O hipotireoidismo é a alteração mais frequente na tireoide dos seres humanos e também nos cães. Sua prevalência em mulheres é em torno de 10% e aumenta na menopausa, ficando em torno de 12 a 15% nesta fase. Em homens é menos frequente e sua prevalência é em torno de 3%. Nos cães gira em torno de 0,2 a 0,6% da população. Já o hipertireoidismo, é mais frequente nos gatos, representando aproximadamente 10% dos gatos idosos, com faixa etária acima de 10 anos.

Os tumores da glândula tireoide parecem ser o 4º mais comum entre as mulheres de acordo com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, porém em felinos, os carcinomas de tireoide acometem cerca de 2% dos gatos com hipertireoidismo.

Fonte: Petful (former Pet Adviser)

RAÇAS DE CÃES E GATOS E O HIPOTIREOIDISMO

Algumas raças que podem ser acometidas com maior frequência pelo hipotireoidismo em cães: afghan hound; airedale terrier; boxer; chow chow; golden retriever e labrador retriever; schnauzer miniature; pomerânios; dachshund; maltês; lhasa apso; shih-tzu; irish setter; irish wolfhound; cocker spaniel; English bulldog; Doberman pinscher; poodle, porém não podemos esquecer dos animais sem raça definida (srd).

Nos felinos parece haver menor predisposição para os siameses e burmeses.

 

DIAGNÓSTICO DAS DISFUNÇÕES TIREOIDEANAS

Devemos lembrar que em condições de normalidade, a tireoide dos cães e gatos não é palpável no exame físico. A palpação somente é possível nos pacientes com hipertireoidismo, uma vez que seu tamanho aumenta por conta das alterações estruturais (nódulo único ou difusos pela glândula) e também no câncer de tireoide.

Do ponto de vista laboratorial, as determinações sanguíneas do hormônio estimulador da tireoide (TSH), T4 total e T4 livre por diálise são utilizados em conjunto para avaliação da função tireoidiana. Dosagens de anticorpos sanguíneos contra a tireoide e seus hormônios e também a realização de exames de imagem como: ultrassonografia cervical, tomografia computadorizada ou ressonância magnética (avaliação da morfologia da glândula), também são boas ferramentas para auxílio diagnóstico.

O TSH é o hormônio estimulador da tireoide, ele é produzido pela hipófise e controla o funcionamento da tireoide. Quando ocorre o hipotireoidismo o TSH se eleva para estimular a glândula e quando a tireoide está hiperfuncionante, o TSH fica suprimido. Da mesma forma, espera-se encontrar valores diminuídos de T4 total e T4 Livre no hipotireoidismo e valores aumentados no hipertireoidismo.

Importante ressaltar que qualquer alteração de exames sempre devem ser interpretados correlacionando os sintomas clínicos apresentados pelo paciente e as alterações de exames encontrados, nunca devemos interpretar resultados de forma isolada. Existe uma série de medicamentos e comorbidades que podem interferir na mensuração laboratorial dos testes de função tireoidiana como por exemplo: endocrinopatias, tumores, doenças degenerativas, uso de anti-inflamatórios, diuréticos, anestésicos, protetores gástricos, caracterizando assim um quadro que mimetiza o hipotireoidismo. Denominamos esta situação de síndrome eutireoidiana. Desta forma,  pode ocorrer um “falso” diagnostico de hipotireoidismo, então sugerimos sempre que o acompanhamento e a interpretação dos exames sejam realizados por um médico veterinário atuante em endocrinologia.

 

SINTOMATOLOGIA CLÍNICA: QUAIS OS SINTOMAS MAIS COMUNS DAS DISFUNÇÕES NA TIREOIDE?

Como dito anteriormente, a tireoide age estimulando o funcionamento e diversas funções nos diferentes órgãos, portanto ela estimula o metabolismo e o gasto energético. Quando a tireoide esta funcionando menos, no caso do hipotireoidismo, os pacientes vão apresentar um gasto energético reduzido. No hipertireoidismo ocorre o contrário, há um aumento do metabolismo e do gasto energético que que não consegue ser compensado mesmo com o aumento do apetite. No hipertireoidismo, geralmente os sinais e sintomas clínicos são opostos aos do hipotireoidismo.

Abaixo listamos os sintomas comumente apresentados por pacientes que apresentam disfunções tireoidianas.

lista sintomas comuns disfunções tireoideanas

Caso haja demora no diagnóstico e tratamento destes pacientes, pode ocorrer complicações tais como: anemia, alterações do colesterol, ureia e creatinina, aumento da pressão arterial, insuficiência cardíaca congestiva, arritmias e também alterações reprodutivas nos indivíduos não castrados.

Paciente 1 - Fonte Hospital Veterinário Universidade Anhembi Morumbi

Fonte: Hospital Veterinário Universidade Anhembi Morumbi

Journal of Feline Medicine and Surgery (2016) 18, 400-416

Journal of Feline Medicine and Surgery (2016) 18, 400-416

Paciente 2 - Fonte Hospital Veterinário Universidade Anhembi Morumbi

Fonte: Hospital Veterinário Universidade Anhembi Morumbi

TRATAMENTO CLÍNICO E MONITORAMENTO

O tratamento do hipotireoidismo é simples, feito com reposição hormonal, a levotiroxina sódica, medicamento que deve ser tomada diariamente, pela manhã, via oral e em jejum. Alguns pacientes serão beneficiados com uma dose extra e noturna do medicamento, decisão esta tomada mediante avaliação médica.

No hipertireoidismo há mais de uma opção terapêutica, a droga antitireoidiana, o iodo radioativo (I131) ou cirurgia. O paciente pode ser tratado com medicamento que vai diminuir a produção de hormônio tireoidiano pela glândula (droga antitireoidiana), por um período variável e sempre com avaliação médica.

Atualmente, a principal modalidade de tratamento para o hipertireoidismo felino, é o tratamento com iodo radioativo que vai provocar morte celular, redução do volume da glândula e consequentemente menor produção dos hormônios da tireoide. Esta modalidade de tratamento, embora exija estrutura especializada para a sua aplicação, tem demonstrado excelentes resultados e raros efeitos colaterais como o hipotireoidismo após iodoterapia. Neste caso, se ocorrer, o paciente vai precisar fazer reposição hormonal, geralmente transitória.

A terceira opção é o tratamento cirúrgico reservado para casos mais severos, irresponsivos ao iodo ou em casos de neoplasia da tireoide. Em casos de câncer de tireoide, os pacientes podem ser submetidos a tireodectomia parcial ou total (retirada da glândula) e reposição hormonal. Felizmente a grande maioria dos casos de câncer de tireoide tem um prognóstico excelente quando diagnosticado de forma precoce e manejados adequadamente.

O controle das disfunções da tireoide é feita por avaliações médicas rotineiras juntamente com realização de exames de sangue, provas de função tireoidiana para ajustes de dose ou outras intervenções caso necessário.

Autor do artigo:

Fabrício Lorenzini

M.V. Mestre Prof. Fabrício Lorenzini

Médico veterinário, graduado pela Universidade de Santo Amaro (UNISA).
Residência em Clínica Médica de Pequenos Animais pela Universidade de Santo Amaro (UNISA).
Especializado em Clínica Médica de Pequenos Animais pela Universidade de Santo Amaro (UNISA).
Médico veterinário contratado junto ao Serviço de Clínica Médica de Pequenos Animais do Hospital Veterinário da Universidade Anhembi-Morumbi.
Mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP).
Sócio-fundador e atual Vice-Presidente da Associação Brasileira de Endocrinologia Veterinária (ABEV).

 

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