Dia 11 de Outubro é o Dia Mundial de Combate a Obesidade e esse tema, tão importante na Endocrinologia Veterinária, merece toda a atenção de tutores e também de Médicos Veterinários. A ABEV apresenta aqui o artigo especial da Profa. Dra. Márcia Jericó, sócia-fundadora da Associação Brasileira de Endocrinologia Veterinária, Professora da Universidade Anhembi Morumbi e responsável pelo atendimento em Endocrinologia Veterinária dos Consultórios Veterinários Alto da Lapa.

 

Obesidade em Cães e Gatos

 

INTRODUÇÃO

A obesidade é definida como uma doença de origem multifatorial, que leva ao acúmulo exagerado de tecido adiposo no organismo animal, com prejuízo das funções fisiológicas. O ganho de peso, decorrente do excesso de gordura corpórea, está sempre associado a um aumento da ingestão alimentar e/ou a uma redução do gasto energético, o que resulta em um balanço metabólico positivo. No seu surgimento, estão envolvidos fatores poligênicos (a exemplo dos genes ob/ob, db/db e fat/fat), que determinam a síntese e atuação de ligantes neuroendócrinos e de adipocinas, além de influências ambientais e sociais. Exemplos destes fatores neuroendócrinos, centrais e periféricos, que controlam o apetite e a taxa metabólica em animais, seriam o neuropeptídeo Y (NPY) e o sistema melacortínico (a-MSH, os receptores MCR4 e MCR3. As principais adipocinas, que também controlam ingestão alimentar e queima calórica, seriam a leptina, cuja produção e atuação está determinada pelos genes ob/ob e db/db, a adiponectina e a resistina. Grelina, amilina, colecistoquinina e a própria insulina, são, também, mediadores periféricos importantes  na endocrinologia da obesidade.

 

 

INCIDÊNCIA

Brasil, na cidade de São Paulo, no único levantamento publicado em 2002, foi observado que a obesidade acomete cerca de 17% na população de cães estudados. Nos Estados Unidos, um levantamento da Association for Pet Obesity Prevention, em 2014, revela que 63% dos cães e 67% dos gatos domésticos estão acima do peso; destes, 18% dos cães e 28% dos gatos são obesos. O fator genético relacionado à obesidade está bem descrito em humanos e animais de laboratório, mas não estão ainda bem esclarecidos em cães. Raças de cães como basset hounds, beagles, cocker spaniels, dachshunds e labradores, apresentam maior predisposição  a se tornarem obesos, sugerindo assim um fator genético envolvido, e evidenciado pela condição racial. Diversos estudos mostram que animais castrados tendem a serem obesos. Uma das razões aventadas é de que a ausência dos estrógenos e andrógenos leva, respectivamente,  ao incremento no apetite e à diminuição da massa magra, componente importante no gasto metabólico. A obesidade tem maior incidência em animais adultos ou idosos, que diminuem a sua atividade física e metabólica. Animais cujos proprietários são obesos, que recebem freqüentemente petiscos ou guloseimas, são mais predispostos a serem obesos. Em pesquisa realizada na cidade de São Paulo, foram pesquisados 50 cães obesos, de faixas etárias e raças variadas, verificou-se que 22% dos animais não realizavam nenhuma atividade física, 46% deles são considerados moderadamente preguiçosos e 56% destes animais tem um comportamento alimentar voraz ou guloso. Destes cães, 78% consomem o mesmo tipo de alimento de seu proprietário e todos apresentavam balanço metabólico positivo. E, de maneira análoga ao observado na obesidade humana, um estudo britânico recente demonstrou que o risco de obesidade no cão é inversamente proporcional à condição socioeconômica do proprietário. Ou seja, proprietários com menor poder aquisitivo e, consequentemente, menor acesso à informação e à educação, minimizam os riscos inerentes à condição de obesidade.

 

 

Gráfico meramente ilustrativo

Gráfico meramente ilustrativo

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico é feito da forma mais simples através da inspeção e palpação direta. Cães e gatos devem ter as costelas facilmente palpáveis e quando vistos por cima, devem apresentar forma de ampulheta. Animais com abdômen abaulado a partir da última costela, com depósitos de gordura evidentes, e que possuem o gradil costal de difícil palpação, são considerados obesos. Outras formas de diagnóstico podem ser empregadas, como o escore de condição corpórea, a determinação do peso corpóreo relativo e a estimativa da porcentagem de gordura corpórea (% GC), esta última obtida através de medidas morfométricas como a circunferência pélvica e o comprimento da tuberosidade do calcâneo ao ligamento cruzado. Atualmente existem técnicas mais precisas para o diagnóstico da obesidade, como a densitometria computadorizada por absormetria radiológica de dupla energia (DEXA).

 

COMORBIDADES

A obesidade compromete o tempo e a qualidade de vida dos indivíduos acometidos, e é um problema de saúde cada vez mais importante tanto para o homem como para os cães e gatos. A importância da adiposidade excessiva resulta da constatação em várias espécies de que indivíduos obesos apresentam severo risco para uma série de doenças e distúrbios. Atualmente, sabe-se que a condição de obesidade é caracterizada por um estado inflamatório de baixa intensidade, crônico e sistêmico, condição esta relacionada principalmente à atuação das adipocinas, que são produzidas em maiores concentrações quando do excesso de tecido adiposo. Existem mais de 50 adipocinas descritas até o momento, mas o TNF-a (fator de necrose tumoral), a interleucina 6 (IL-6), a proteína C-reativa e a leptina apresentam ligações claras com situações de resistência insulínica, inflamação generalizada e eventos ateroscleróticos. Na literatura compilada, os estudos sobre obesidade em cães e gatos foram, em sua maioria, realizados em condições experimentais, e são descritas alterações concomitantes como artropatias, distúrbios circulatórios, diabetes mellitus e hiperlipidemias.

A osteoartrite (OA) é uma causa significativa da dor e incapacidade em ambas as espécies. A ligação entre obesidade e OA foi estabelecida no homem, embora o mecanismo exato da relação continua ainda em estudo, abrangendo teorias biomecânicas e bioquímicas. Há boas evidências de que a perda de peso é um tratamento eficaz para OA do joelho humano. No cão, o assunto está apenas começando a ser investigado. Os resultados de estudos em cães sugerem que a prevenção do desenvolvimento de sobrepeso e obesidade reduz a prevalência de displasia e OA de quadril e outras articulações. Também, que a perda de peso é um tratamento eficaz para a OA em cães afetados com sobrepeso e obesidade.

A resistência insulínica é associada com obesidade em várias espécies, incluindo os cães e gatos. É sabido que a deposição de gordura em órgãos como fígado e músculos tem importante papel na determinação da resistência à insulina. O tipo de obesidade mais relacionado à resistência insulínica é a obesidade central ou visceral, que permite uma grande oferta de ácidos graxos livres (AGL) ao fígado, contrapondo-se aos efeitos da insulina, aumentando a neoglicogênese e inibição da captação de glicose e sua oxidação no tecido muscular. A insulina, hormônio responsável pela diminuição da produção hepática e pela captação periférica de glicose, age também no metabolismo lipídico. O mecanismo de lipólise é altamente dependente da ação da insulina, que regula os níveis de ácidos graxos livres. Na resistência à insulina, ocorre um aumento na oferta de AGL ao fígado, o que estimulará a oxidação destes e iram afetar a capacidade secretora das células β pancreáticas em produzir a insulina. Concomitantemente, há um aumento da produção hepática de glicose, decorrente da resistência hepática à ação da insulina em inibir a neoglicogênese, podendo evoluir para o quadro clínico de diabetes mellitus.

Cães obesos também podem apresentar hiperlipidemias, em especial com alterações nos níveis de triglicérides e discretas elevações nos valores de colesterol. Também, constatam-se aumentos em valores de ácidos graxos livres, e nas concentrações de VLDL e LDL. Estas anomalias do perfil lipidêmico são reputadas, geralmente, ao estado de resistência insulínica, comum à obesidade e componente da síndrome metabólica. A concentração de colesterol na fração de LDL, como um fator aterogênico, tem sido amplamente explorada na literatura.  Como condição agravante, sabe-se que a VLDL pode também infiltrar a íntima arterial, onde são submetidos às mesmas condições oxidativas das LDL…

Em relação ao sistema cardiovascular, sabe-se que a obesidade, ao menos em seres humanos, está fortemente correlacionada ao aumento da incidência das doenças cardiovasculares. As alterações cardíacas são primariamente relacionadas à sobrecarga de volume sanguíneo decorrente do excesso de tecido adiposo. Segundo estudos recentes em cães, a condição de obesidade acarreta alterações que sugerem aumento da pós-carga cardíaca com sofrimento do miocárdio, evidenciada pelo aumento da pressão arterial e pelas alterações do registro gráfico da condução elétrica ventricular. Finalmente, muitas das evidências que ligam a adiposidade excessiva às doenças cardiovasculares foram descritas experimentalmente em cães. Também, obesidade é um agravante nas condições respiratórias crônicas como asma e colapso de traqueia. O sobrepeso, o excesso de massa, compromete a expansão e a função respiratória, por consequência. Nestas condições, a disfunção expiratória é a mais observada.

 

 

 

 

TRATAMENTO

Os programas de redução de peso, objetivando o tratamento da obesidade, envolvem a constatação das morbidades relacionadas ao excesso de peso, a conscientização e colaboração do proprietário, a instituição de dieta específica para restrição calórica, a instituição de um plano de atividades físicas e a monitorização periódica do paciente.

A instituição de dieta específica para restrição energética é norteada pelo cálculo de calorias a serem administradas para um determinado peso ideal, baseada nas necessidades energéticas de manutenção, e a escolha de dietas que contenham menor densidade calórica, com alto teor de fibra e baixa concentração de gordura. A eficácia das dietas de restrição calórica pode ser otimizada com adição de nutracêuticos, como a L-carnitina e os ácidos graxos polinsaturados ômega-3, como o EPA (ácido eicosapentanoico) e o DHA (ácido docosahexaenóico).

A atividade física é a forma mais eficiente de aumentar o gasto energético e de minimizar as conseqüências da perda de peso sobre a atividade metabólica do indivíduo, sabendo-se que o déficit ponderal acentuado diminui a massa magra corpórea. Afora isto, o condicionamento físico traz benefícios intrínsecos ao paciente obeso, independentes da perda de peso, minimizando a hipertensão, a resistência insulínica e aumentando a termogênese da manipulação alimentar. Também, o aumento na atividade física está associado à redução na leptinemia, que pode ser atribuída à elevação das catecolaminas, e à queda da insulinemia em decorrência da maior sensibilidade à leptina. Em relação à adiponectina, sua resposta à atividade física é controversa, uma vez que a curto prazo parece não haver alteração de seus níveis sanguíneos, porém, após um período de treinamento, observou-se  aumento de suas concentrações séricas.

A atividade física destinada aos cães obesos pode ser implementada sob a forma de caminhadas, corridas ou sob a forma de natação, sendo esta última a forma preferencial a ser oferecida aos animais obesos com problemas ortopédicos. O gasto energético promovido pela atividade física é altamente variável e é diretamente proporcional à carga de trabalho imposta, tendo em vista que o condicionamento físico deve ser planejado em critérios de intensidade, duração e freqüência.

 

CONCLUSÃO

A obesidade deve ser encarada como uma doença crônica, de características endêmicas, e que acarreta prejuízos a saúde e a longevidade dos pacientes caninos e felinos. Todas as atitudes do médico veterinário de conscientização e de combate aos males que o excesso de peso acarreta são necessárias, bem vindas e passíveis de grande realização profissional.

Autora do artigo:

Profa. Dra. Márcia Marques Jericó

Consultórios Veterinários Alto da Lapa

Universidades Anhembi Morumbi

Associação Brasileira de Endocrinologia Veterinária (ABEV)

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